segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

BELO MONTE: MOVIMENTO SOCIAL

O que diz o movimento social
Liderança na região de Altamira (PA), Antônia Melo, da coordenação do Movimento Xingu Vivo para Sempre (MXVPS) e coordenadora do Movimento de Mulheres do Campo e Cidade – Pará (MMCC), está na batalha contra a construção de Belo Monte há mais de 20 anos. Antonia também pertence ao Grupo de Trabalho Amazônico Regional Altamira. Leia abaixo alguns trechos de sua entrevista à reportagem do ISA, concedida em março de 2010, que resume a posição dos movimentos sociais que atuam na região.
(entrevista concedida em março de 2010, que atualiza a anterior, de 2002)


Belo Monte: contra ou a favor? "Somos contrários a esse projeto porque não acreditamos que irá trazer benefícios e desenvolvimento para a região. Temos experiências da barragem de Tucuruí, que, após mais de 25 anos de sua construção, ainda não resolveu o crucial problema das indenizações das milhares de pessoas e famílias que foram compulsoriamente expulsas das suas casas e de suas terras. A esse pobre povo, tapeado pelos governos, pela Eletronorte e pelas empresas, está sendo negado o direito a dignidade humana, concretizando-se numa total violação dos direitos humanos. A hidrelétrica de Tucuruí não beneficiou nem melhorou a vida da população local. Para nós da região, que trabalhamos há mais de 20 anos na linha do desenvolvimento sustentável, agricultura familiar, unidades de conservação (UCs) da Terra do Meio, entre outros projetos em curso, coordenados pela Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), Belo Monte representa a perda de terras por um grande contingente de famílias; aumento das invasões de áreas; saída do povo do campo para as cidades – em busca da fantasia dos empregos gerados pela barragem; aumento dos bolsões de pobreza; inchamento das cidades e desestruturação social; aumento da violência ambiental e econômica de família rurais, indígenas e ribeirinhas; insegurança alimentar e hídrica, entre tantas mazelas e desgraças sobre o povo atingido à jusante e à montante do Rio Xingu. Isso sem contar com um grande contingente de mais de 100 mil pessoas que chegaria à região, sendo que as cidades próximas e Altamira não possuem infraestrutura mínima para seus habitantes, menos ainda para receber tanta gente. E por que sacrificar o Rio Xingu com o uso hidrelétrico se sua bacia representa um capital socioecológico dos mais importantes do País em seu estado natural? Podendo-se converter outras opções em investimentos, como turismo verde, pesca, lazer, entre tantas outras? É realmente uma insensatez do governo Lula, que atendeu a pressão das empresas transnacionais e construtoras a ponto de utilizar os recursos do BNDES (80%), os fundos de pensão do Banco do Brasil e da Caixa Econômica e até títulos do Tesouro Nacional. Tudo isso para garantir a construção de um mega-empreendimento que destruiria ecossistemas, a biodiversidade, apenas para produzir energia barata para as mineradoras e empresas privadas se apropriarem dos recursos naturais e aumentarem suas fortunas com recursos públicos da sociedade brasileira."


Antônia Melo: desastres incalculáveis
Impactos socioambientais para a região "Temos preocupação com aumento da violência na região, prostituição infantil, aumento da criminalidade, insegurança alimentar e hídrica, aumento do desemprego com o fluxo do grande contingente de pessoas e famílias de outros lugares, aumento dos bolsões de pobreza e miséria, aumento de famílias sem teto, seca do rio de mais de 100km na Volta Grande do Xingu, perda da biodiversidade, mais de 30 mil pessoas que perderiam suas casas, terras, o rio e a vida. A cidade não tem estrutura, não atende nem a população de Altamira, pior ainda se dobrar a população, como está acontecendo em Porto Velho, com as barragens no Rio Madeira. Não tem dinheiro que pague, que recompense a destruição social, cultural, econômica e ambiental que os impactos das barragens de Belo Monte trariam para o Rio Xingu e seus povos. Belo Monte é um projeto inviável e que traria destruição e morte, que custaria em torno de 20 a 30 bilhões de reais e, o que é pior, quase toda esta destruição financiada com dinheiro público do BNDES. "


Manifestação contra barragens na Amazônia
Estudo de Impacto Ambiental (EIA) "Uma farsa, além de ser imoral. Estudo pago pelas empresas interessadas na construção da obra. Afirmamos que este estudo é uma mentira. Depois que mais de 40 especialistas em varias áreas da ciência estudaram e avaliaram o EIA de Belo Monte, detectaram 260 páginas de erros, falhas, omissões e mentiras. O Ministério Público Federal de Altamira deu entrada em várias ações na justiça questionando o EIA e tantos outros absurdos de irregularidades, a não realização da oitiva indígena, comunidades ribeirinhas que não foram ouvidas e milhares de pessoas na Volta Grande e Terra do Meio que não tiveram acesso às audiências"

Licença Prévia"A licença prévia é uma decisão politiqueira do governo Lula, do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente, de empurrar as barragens Belo Monte goela abaixo, a qualquer custo, passando por cima das leis e da vida dos povos do Xingu, para beneficiar empresas construtoras, empresas eletrointensivas, mineradoras e grupos políticos. Pois até técnicos do Ibama chegaram ao ponto de pedir exoneração do cargo porque não aceitaram assinar este documento criminoso e inviável. Consideramos um grande crime socioambiental".

Propostas do Movimento Xingu Vivo para Sempre para o desenvolvimento da região"A Bacia do Xingu é uma das mais preciosas do País em termos ecológicos e paisagísticos. A exploração econômica do rio para pesca esportiva, esportes aquáticos, turismo ecológico, entre outros, pode gerar muitos postos de trabalho. Esta região é uma das maiores produtoras de café, cacau, gado e outros produtos agrícolas. Dispõe, ainda, de 75% de suas florestas que, bem aproveitadas e com incentivos para movelaria e outros produtos industriais derivados dos recursos florestais não-madeireiros, podem tornar essa área uma das mais ricas do País. As propostas do MXVPS para a região incluem a geração de negócios com os recursos da natureza; novas oportunidades de renda e melhoria da vida nas cidades e vilas; mão-de-obra preparada para novas atividades econômicas; agência de desenvolvimento para financiar a economia regional com amplas oportunidades para pequenos empreendedores, com linhas prioritárias para produtores rurais; o asfaltamento da Transamazônica, com respeito às leis ambientais e com a garantia da implantação e implementação das políticas públicas ao longo da rodovia, entre outros. A Agência de Desenvolvimento Regional deve coordenar investimentos e incentivar a economia com bases diversificadas e competitivas, a partir do aproveitamento duradouro dos estoques de recursos naturais da região. Deve oferecer linhas de financiamento, projetos para atividades de risco e recursos em condições especiais para as prefeituras fazerem serviços básicos de melhoria. A agência atuaria com recursos orçamentários oriundos de programas sociais federais, recursos orçamentários para infraestrutura e recursos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) e Pronaf (Programa Nacional para a Agricultura Familiar), para crédito direcionados aos setores produtivos das áreas rurais e urbanas. A agência deverá captar recursos de fundos internacionais, empresas privadas, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial (BIRD) e outros interessados em financiar empreendimentos que envolvam atividades novas, como manejo florestal e demais ramos da produção com conservação ambiental"

BELO MONTE: IMPACTOS AMBIENTAIS

Um conjunto complexo de impactos socioambientais

Inundação constante, hoje sazonal, dos igarapés Altamira e Ambé, que cortam a cidade de Altamira, e parte da área rural de Vitória do Xingu. Redução da vazão da água a jusante do barramento do rio na Volta Grande do Xingu e interrupção do transporte fluvial até o Rio Bacajá, único acesso para comunidades ribeirinhas e indígenas. Remanejamento de cerca de famílias que vivem hoje em condições precárias na periferia de Altamira, na área rural de Vitória do Xingu e de 350 famílias ribeirinhas que vivem em reservas extrativistas. Alteração do regime do rio sobre os meios biótico e socioeconômico, com redução do fluxo da água. Estes são alguns dos impactos socioambientais listados.

Para Sônia Barbosa Magalhães, professora da Universidade Federal do Pará, entrevistada pelo ISA em meados de 2002 quando era do Museu Goeldi, além da alteração de vazão de rio, com mudança de regime de inundação e consequências para a agricultura, afluxo populacional e desestruturação fundiária, o 'boom' das grandes hidrelétricas no país e o conceito de impactos diretos e indiretos em disputa nessas obras são fatores muito preocupantes. “Tradicionalmente, as subsidiárias da Eletrobras chamam de efeito direto o que seria alagado e de efeito indireto as áreas não alagadas, quando deveriam adotar critérios mais abrangentes.”

Sônia integra o painel de especialistas que, em outubro de 2009, apresentou estudos críticos sobre o EIA/Rima de Belo Monte.
Alterações no meio ambiente





“O impacto é generalizado, pois mexe na raiz de todo o funcionamento do ciclo ecológico da região. Entre a Volta Grande do Xingu e Belo Monte, o nível d'água vai ficar bem abaixo da maior seca histórica e, rio acima, ficará permanentemente cheio, num nível superior à maior cheia conhecida. Assim, teremos, simultaneamente, trechos do Xingu sob condições hidrológicas extremas e diametralmente opostas, sendo que todo o regime ecológico da região está condicionado às secas e às cheias, explicava em entrevista ao ISA, em 2002, o pesquisador Jansen Zuanon, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) (clique nos mapas).. Ele lembra que existem árvores, que estão adaptadas a ficar alguns meses debaixo d'água.

Com a cheia permanente, as árvores irão resistir alguns meses, mas depois vão morrer, com o afogamento das raízes. “Essas árvores servem de dieta para muitos peixes, por exemplo, o que gera impacto sobre a fauna e, consequentemente, para todo o ciclo ecológico da área. Além disso, muitos peixes sincronizam a desova com a cheia e, portanto, na parte que vai ficar muito seca, é possível que haja diminuição de diversas espécies. Esses impactos deverão provocar uma busca por novas áreas de pesca comercial e ornamental, que provavelmente se estenderão pelo trecho a montante da cidade e poderão atingir o Médio/Alto Xingu e Iriri.” Para Zuanon, além da influência para a alimentação das populações, na parte baixa deve haver problema de navegabilidade. “Outro ponto é que a vida do índio e do caboclo está diretamente relacionada a esses ciclos sazonais, quando você muda este ciclo altera o 'motor do sistema', com reflexos imediatos e sérios para a população”, analisa.

Comunidades indígenas

Além dos Juruna da Terra Indígena Paquiçamba, localizados mais próximos à usina, a área de influência de Belo Monte, segundo definição da Eletronorte, envolve outros nove povos indígenas: os Assurini do Xingu, os Araweté, os Parakanã, os Kararaô, os Xikrin do Bacajá, os Arara, os Xipaia e os Kuruaia. A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) inclui ainda vários povos Kaiapó na região e mais de 1 mil índios que vivem em Altamira (clique no mapa ao lado)

“O pessoal de Paquiçamba depende muito do regime de águas de Volta Grande. A perspectiva de terem de buscar alimento, atravessando canais, mostra que essa aldeia indígena não está sendo considerada de forma adequada. Quando a gente pensa que são mais de 20 etnias ao longo de toda a bacia, então é uma perspectiva altamente arriscada do ponto de vista social. Principalmente, se a gente levar em conta que a aprovação do projeto deveria ser submetida ao Congresso Nacional, já que ele atinge diretamente uma comunidade indígena, e o Congresso Nacional ainda não opinou de forma devida sobre Belo Monte”, explicava, em entrevista ao ISA em 2002, Célio Bermann, professor do Programa de Pós-Graduação em Energia da Universidade de São Paulo.

O artigo 231 da Constituição Federal, relacionado aos direitos dos índios, determina que o aproveitamento de recursos hídricos em Terras Indígenas, aí incluídos os potenciais energéticos, só pode ser efetivado com a autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas. Também prevê que são nulos e extintos todos os atos jurídicos que afetem essa posse, salvo relevante interesse público da União, e que será necessária uma lei ordinária que fixe as condições específicas para exploração mineral e de recursos hídricos nas Terras Indígenas.

A importância do artigo 231 da Constituição Federal foi reconhecida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, que utilizou diversos pontos do dispositivo para negar, no dia 4 de novembro de 2002, o pedido da União para cassar a liminar que suspendia o EIA.

O passado que condena

Construída no Rio Uatumã (AM) e inaugurada parcialmente em 1988, a Usina de Balbina é considerada um dos piores investimentos do país do ponto de vista econômico, ambiental e social. Inundou uma área de 2,3 mil km2 para uma potência instalada de apenas 250 MW. Entre o imenso passivo socioambiental de Balbina está a inundação de 30 mil hectares da Terra Indígena (TI) Waimiri-Atroari, o que obrigou o remanejamento de duas aldeias. Para compensá-los, a Eletronorte financiou a demarcação da TI Waimiri-Atroari, de 2,5 milhões de hectares, e o Programa Waimiri-Atroari, que envolve ações nas áreas de saúde, educação, meio ambiente, apoio à produção, vigilância dos limites, administração e documentação e memória durante 25 anos.

BELO MONTE

A POLÊMICA DA USINA DE BELO MONTE







A polêmica em torno da construção da usina de Belo Monte na Bacia do Rio Xingu, em sua parte paraense, já dura mais de 20 anos. Entre muitas idas e vindas, a hidrelétrica de Belo Monte, hoje considerada a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, vem sendo alvo de intensos debates na região, desde 2009, quando foi apresentado o novo Estudo de Impacto Ambiental (EIA) intensificando-se a partir de fevereiro de 2010, quando o MMA concedeu a licença ambiental prévia para sua construção


O s movimentos sociais e lideranças indígenas da região são contrários à obra porque consideram que os impactos socioambientais não estão suficientemente dimensionados. Em outubro de 2009, por exemplo, um painel de especialistas debruçou-se sobre o EIA e questionou os estudos e a viabilidade do empreendimento. Um mês antes, em setembro, diversas audiências públicas haviam sido realizadas sob uma saraivada de críticas, especialmente do Ministério Público Estadual, seguido pelos movimentos sociais, que apontava problemas em sua forma de realização.


A inda em outubro, a Funai liberou a obra sem saber exatamente que impactos causaria sobre os índios e lideranças indígenas kayapó enviaram carta ao Presidente Lula na qual diziam que caso a obra fosse iniciada haveria guerra. Para culminar, em fevereiro de 2010, o Ministério do Meio Ambiente concedeu a licença ambiental, também sem esclarecer questões centrais em relação aos impactos socioambientais.


Veja abaixo um resumo dessa história que teve início em fevereiro de 1989, em Altamira, no Pará, com a realização do I Encontro dos Povos Indígenas no Xingu.


Realizado entre 20 e 25 de fevereiro de 1989, em Altamira (PA), o I Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, reuniu três mil pessoas - 650 eram índios - que bradaram ao Brasil e ao mundo seu descontentamento com a política de construção de barragens no Rio Xingu. A primeira, de um complexo de cinco hidrelétricas planejadas pela Eletronorte, seria Kararaô, mais tarde rebatizada Belo Monte. De acordo com o cacique Paulinho Paiakan, líder kaiapó e organizador do evento ao lado de outras lideranças como Raoni, Ailton Krenak e Marcos Terena, a manifestação pretendia colocar um ponto final às decisões tomadas na Amazônia sem a participação dos índios. Tratava-se de um protesto claro contra a construção de hidrelétricas na região.


Encontro de Altamira reuniu 3 mil pessoas, 650 índios, entre elas, e foi considerado um marco do socioambientalismo no Brasil.

Em 2008, 19 anos depois, realizou-se em Altamira o II Encontro dos Povos Indígenas do Xingu e daí nasceu o Movimento Xingu Vivo para Sempre.

Saiba mais no item Notícias deste Especial.

Na memória dos brasileiros, o encontro ficou marcado pelo gesto de advertência da índia kaiapó Tuíra, que tocou com a lâmina de seu facão o rosto do então diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, aliás presidente da estatal durante o governo FHC. O gesto forte de Tuíra foi registrado pelas câmaras e ganhou o mundo em fotos estampadas nos principais jornais brasileiros e estrangeiros. Ocorrido pouco mais de dois meses após o assassinato do líder seringueiro Chico Mendes, em Xapuri (AC), que teve repercussão internacional, o encontro de Altamira adquiriu notoriedade inesperada, atraindo não apenas o movimento social e ambientalista, como a mídia nacional e estrangeira.


O I Encontro dos Povos Indígenas foi o resultado de um longo processo de preparação iniciado um ano antes, em janeiro de 1988, (veja o item Histórico) depois que o pesquisador Darrel Posey, do Museu Emílio Goeldi do Pará, e os índios kaiapó Paulinho Paiakan e Kuben-I participaram de seminário na Universidade da Flórida, no qual denunciaram que o Banco Mundial (BIRD) liberara financiamentos para construir um complexo de hidrelétricas no Rio Xingu sem consultar os índios. Convidados por ambientalistas norte-americanos a repetir o depoimento em Washington lá foram eles. E, por causa disso, Paiakan e Kube-I acabaram enquadrados pelas autoridades brasileiras, de forma patética, na Lei dos Estrangeiros e, por isso, ameaçados de serem expulsos do país. O Programa Povos Indígenas no Brasil, do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (Cedi), uma das organizações que deu origem ao Instituto Socioambiental (ISA), convidou Paiakan a vir a São Paulo, denunciou o fato e mobilizou a opinião pública contra essa arbitrariedade.

Para avançar na discussão sobre a construção de hidrelétricas, lideranças kaiapó reuniram-se na aldeia Gorotire em meados de 1988 e decidiram pedir explicações oficiais sobre o projeto hidrelétrico no Xingu, formulando um convite às autoridades brasileiras para participar de um encontro a ser realizado em Altamira (PA). A pedido de Paiakan, o antropólogo Beto Ricardo e o cinegrafista Murilo Santos, do Cedi, participaram da reunião, assessorando os kaiapó na formalização, documentação e encaminhamento do convite às autoridades. Na seqüência, uniram-se aos kaiapó na preparação do evento. O encontro finalmente aconteceu e o Cedi, com uma equipe de 20 integrantes, reforçou sua participação naquele que seria, mais tarde, considerado um marco do socioambientalismo no Brasil. Ao longo desses anos, o Cedi, e depois o ISA, acompanharam os passos do governo e da Eletronorte na questão de Belo Monte, alertas para os impactos que provocaria sobre as populações indígenas, ribeirinhas e todo o ecossistema da região.

Listada no governo FHC como uma das muitas obras estratégicas do programa Avança Brasil, a construção do complexo de hidrelétricas no Rio Xingu faz parte da herança legada ao governo Lula, eleito em novembro de 2002. Herança que era bem conhecida. Tanto assim, que o caderno temático O Lugar da Amazônia no Desenvolvimento do Brasil, parte do Programa do Governo do presidente eleito, alertava: “Dois projetos vêm sendo objeto de intensos debates: a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, e o de Gás de Urucu, no Amazonas. Além desses também preocupam as 18 barragens propostas na Bacia do Rio Araguaia e Tocantins. A matriz energética brasileira, que se apóia basicamente na hidroeletricidade, com megaobras de represamento de rios, tem afetado a Bacia Amazônica. Considerando as especificidades da Amazônia, o conhecimento fragmentado e insuficiente que se acumulou sobre as diversas formas de reação da natureza em relação ao represamento em suas bacias, não é recomendável a reprodução cega da receita de barragens que vem sendo colocada em prática pela Eletronorte”.
Decisão ficou para o governo Lula

Exemplos infelizes como a construção das usinas hidrelétricas de Tucuruí (PA) e Balbina (AM), as últimas construídas na Amazônia, nas décadas de 1970 e 1980, estão aí de prova. Desalojaram comunidades, inundaram enormes extensões de terra e destruíram a fauna e flora daquelas regiões. Balbina, a 146 quilômetros de Manaus, significou a inundação da reserva indígena Waimiri-Atroari, mortandade de peixes, escassez de alimentos e fome para as populações locais. A contrapartida, que era o abastecimento de energia elétrica da população local, não foi cumprida. O desastre foi tal que, em 1989, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), depois de analisar a situação do Rio Uatumã, onde a hidrelétrica fora construída, concluiu por sua morte biológica. Em Tucuruí não foi muito diferente. Quase dez mil famílias ficaram sem suas terras, entre indígenas e ribeirinhos. Diante desse quadro, em relação à Belo Monte, é preciso questionar a forma anti-democrática como o projeto vinha sendo conduzido, a relação custo-benefício da obra, o destino da energia a ser produzida e a inexistência de uma política energética para o país que privilegie energias alternativas.

Essas questões continuam a ser repisadas pelos movimentos sociais que atuam na região, como por exemplo, o Movimento Xingu Vivo para Sempre, criado recentemente, e que reúne os que levam adiante a batalha contra a construção de Belo Monte e de outras hidrelétricas no Rio Xingu.

Empossado na presidência da Eletrobrás, em janeiro de 2003, o físico Luiz Pinguelli Rosa, declarou à imprensa que o projeto de construção de Belo Monte seria discutido e opções de desenvolvimento econômico e social para o entorno da barragem estariam na pauta, assim como a possibilidade de reduzir a potência instalada, prevista em 11 mil megawatts (MW) no projeto original.

A persistência governamental em construir Belo Monte está baseada numa sólida estratégia de argumentos dentro da lógica e vantagens comparativas da matriz energética brasileira. Os rios da margem direita do Amazonas têm declividades propícias à geração de energia, e o Xingu se destaca, também pela sua posição em relação às frentes de expansão econômica (predatória) da região central do país. O desenho de Belo Monte foi revisto e os impactos reduzidos em relação à proposta da década de 80. O lago, por exemplo, inicialmente previsto para ter 1.200 km2, foi reduzido, depois do encontro, para 400 km2. Os socioambientalistas, entretanto, estão convencidos de que além dos impactos diretos e indiretos, Belo Monte é um cavalo de tróia, porque outras barragens virão depois, modificando totalmente e para pior a vida na região.